terça-feira, 25 de setembro de 2018

Um pouco mais do histórico de Nossa Senhora da Glória-SE

 Por Aírles Almeida dos Santos
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(Foto extraída da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. XXIV Volume. IBGE, 1959, p. 385) 

Segundo o historiador Felisbelo Freire, o processo de colonização da capitania de Sergipe del´Rey se destacou não pela produção da cana de açúcar, mas sim pela criação de gado.[1] Foi o desenvolvimento dessa atividade que possibilitou o povoamento das terras do sertão sergipano.
A ocupação da cidade de Nossa Senhora da Glória-SE insere-se no contexto do terceiro ciclo da ocupação do sertão sergipano (fins do século XVIII e início do XIX), muito semelhante em relação a história de outros municípios dessa região. O povoamento se deu a partir da expansão da atividade pecuária, resultando na ocupação de fazendas e sítios a partir do século XVIII, compondo assim, os primeiros núcleos de povoamento. O primeiro nome dado a esse incipiente aglomerado humano foi "Boca da Mata" por servir de ponto de parada aos viajantes, boiadeiros, tropeiros, tangedores de gado e interessados na compra do açúcar e no jabá da região do Cotinguiba. Eles preferiam pernoitar ao adentrar à noite na mata alta e densa. Foi graças aos ranchos desses viajantes que se formou o primeiro núcleo habitacional no local.[2]
Já me referi em outro texto (que se encontra aqui neste blog) que ao analisar esse processo de ocupação, aparecem várias “querelas”, principalmente no que se refere ao período, devido à falta documentação ou pesquisas relacionadas ao assunto, pois não existem dados consideráveis a respeito do primeiro aglomerado humano, que deu início ao povoado de Boca da Mata. Como bem apontei,

acreditou-se a muito que a povoação que possibilitou a criação da atual cidade de Nossa Senhora da Glória teria surgido por volta de 1600 a 1625, século XVII, como afirma o historiador sergipano Carvalho de Lima Júnior em História dos Limites entre Sergipe e Bahia. Esse autor defende a tese de que as terras pertencentes ao referido município pertencia a Tomé da Rocha Malheiros, que obtivera uma sesmaria de 10 léguas da Serra da Tabanga, estendendo-se para o sertão. Essa tese, tida como irrefutável, passou a ser contestada. Segundo o professor José Carlos de Souza, em tal afirmação ocorreu um equívoco e ao analisarmos a história de Gararu (Curral de Pedras), a qual Boca da Mata pertencia, percebemos alguns problemas ao afirmarmos que a região foi ocupada no século XVII. O povoamento de Curral de Pedras teria sido resultado da fuga de colonos portugueses que se refugiaram na Serra da Tabanga, apavorados pela ação dos holandeses em território sergipano a partir de 1637.[3]

            Nesse sentido, seguindo a mesma linha de José Carlos de Souza, defendo que seria impossível a "Boca da Mata" ser colonizada no século XVII, antes de “Curral de Pedras” (atual cidade de Gararu), devido ao fato de ser uma região de difícil acesso. Boca na Mata teria surgido, então, a partir do fim do século XVIII e início do XIX. Os ranchos de tropeiros provocaram a gradativa derrubada da mata para o desenvolvimento de culturas agrícolas e para servir de pastagens para o gado. Continuando, explico

o sertão sergipano foi ocupado basicamente pelo elemento europeu, quase não havendo a presença de indígenas, mas sim de alguns caboclos, fruto da miscigenação. Estes caboclos se tornaram vaqueiros, sendo os primeiros a provocarem o processo de expansão das terras para o sertão, compondo figuras principais das fazendas de criar.[4]

No que diz respeito a imagem da santa Nossa Senhora da Glória, que posteriormente dará nome ao local de povoação, foi adquirida pelo primeiro capelão Francisco Gonçalves de Lima. A primeira capela foi construída em mutirão no ano 1904, aproximadamente 25 anos após o início da povoação. Só em 1959 é que a Igreja Matriz passou a ser paróquia e teve como primeiro pároco José Amaral de Oliveira. Nesse sentido, a Igreja Católica teve papel importante para o desenvolvimento da cidade, introduzindo novos costumes e modos de relação entre o homem e seu meio. A chegada da imagem deu origem a duas festas populares: a Festa de Santos Reis (06/01/1905) e a Festa da Padroeira (15/08/1906).

Mil novecentos e cinco

Um ano que faz história

Aconteceu a primeira

Das Festas de Reis em Glória,

Com bazares, cabacinhas,

Quermesses e ladainhas,

Que ficaram na memória (grifo do autor).[5]

            Segundo a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (IBGE, 1959), Nossa Senhora da Glória estava incluída entre as cidades que sofriam “quando as caatingas do sertão nordestino eram infestadas por grupos de ‘cangaceiros’ (...) e grande número das fazendas de gado do Município foram abandonadas pelos seus proprietários” [6]. Em 20 de abril 1929, o bando de Lampião e a volante de Zé Rufino passam pela vila [7]. Jorge Henrique Vieira Santos narra em “Glória Cantada em Versos – 80 anos de Emancipação Política” (2008) essa passagem de Virgulino e seu bando:

Em abril daquele ano,

Bem no meio de uma feira,

Lampião entrou em Glória.

Essa história é Verdadeira!

Teve gente, apavorada,

Fugindo bem apressada

Com medo da Cabroeira.



Mas Capitão Vir[8]gulino

Não fez jus à sua fama

De alma torpe, perversa.

Não matou, não criou drama,

Pegou dinheiro e animais,

Foi juntar-se à sua dama.



Os que viram até contam

Que ele aqui comprou fazenda,

Que deu moeda às crianças,

Até parece que é lenda!

Sua barba foi fazer

E, antes de anoitecer,

Partiu sem criar contenda (grifo do autor).

            Diferentemente do que encontramos no documento Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, que expõe a imagem dos cangaceiros como bandidos praticantes de “monstruosos crimes, chegando mesmo a chacinar famílias inteiras” e a saquear as povoações vizinhas [9]Jorge Henrique Vieira Santos nos mostrou justamente o contrário em seus versos, afirmando que o capitão dos cangaceiros não chegou a praticar nenhuma atrocidade em sua passagem pelo local.
A evolução política de Boca da Mata iniciou-se em 1922, quando passou a ser sede do segundo Distrito de Paz de Gararu. A emancipação deu-se em 26 de setembro de 1928, pela Lei Estadual no 1014, quando passou a condição de vila (município), foi desmembrada de Gararu e passou a pertencer a Comarca de Capela. Foi a partir de então que começou sua fase de apogeu. No dia 1 de janeiro de 1929, a vila teve nomeado como primeiro intendente João Francisco de Souza, que construiu a prefeitura. Ele foi nomeado para o período de 1930 a 34, mas teve o mandato interrompido pelo movimento revolucionário de 1930.  Em 1957 foi criada a comarca de Nossa Senhora da Glória.



[1] FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. 2 ed. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1977.
[2] SANTOS, Airles Almeida dos. “Do gibão à Batina”: a ocupação de Nossa Senhora da Glória e o papel da Igreja para o desenvolvimento de “Boca da Mata” (fins do século XVIII ao início do século XX) – versão completa. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/do-gibao-a-batina-a-ocupacao-de-nossa-senhora-da-gloria-e-o-papel-da-igreja-para-o-desenvolvimento-de-boca-da-mata/130759/. Acesso em: 19 de agosto de 2018.
[3] Idem.
[4] SANTOS, 2014, p.2.
[5] SANTOS, Jorge Henrique Vieira. Glória Cantada em Versos – 80 Anos de Emancipação Política. Aracaju, J.Andrade, 2008, p. 10.
[6] Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. XXIV Volume. IBGE, 1959, p. 383.
[7] GOMES, C.C.S.; SANTANA, B. de B.; SANTOS, M.J.O. Breve História de Nossa Senhora da Glória. In: Memórias e Lembranças de Um Povo: Marcas do Cangaço em Nossa Senhora da Glória (monografia – graduação em história). Universidade Tiradentes. Itabaiana, 2008.
[8] SANTOS, 2008, p.13.
[9] Idem, p. 383.