Por Aírles Almeida dos Santos
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Segundo o historiador Felisbelo Freire, o processo de
colonização da capitania de Sergipe del´Rey se destacou não pela
produção da cana de açúcar, mas sim pela criação de gado.[1]
Foi o desenvolvimento dessa atividade que possibilitou o povoamento das terras
do sertão sergipano.
A ocupação da cidade de Nossa Senhora da Glória-SE insere-se no contexto do terceiro ciclo da ocupação do sertão sergipano (fins
do século XVIII e início do XIX), muito semelhante em relação a história de
outros municípios dessa região. O povoamento se deu a partir da expansão da
atividade pecuária, resultando na ocupação de fazendas e sítios a partir do
século XVIII, compondo assim, os primeiros núcleos de povoamento. O primeiro nome dado
a esse incipiente aglomerado humano foi "Boca da Mata" por servir de ponto de
parada aos viajantes, boiadeiros, tropeiros, tangedores de gado e interessados
na compra do açúcar e no jabá da região do Cotinguiba. Eles preferiam pernoitar
ao adentrar à noite na mata alta e densa. Foi graças aos ranchos desses
viajantes que se formou o primeiro núcleo habitacional no local.[2]
Já me referi em outro texto (que se encontra aqui
neste blog) que ao analisar esse processo de ocupação, aparecem várias
“querelas”, principalmente no que se refere ao período, devido à falta
documentação ou pesquisas relacionadas ao assunto, pois não existem dados
consideráveis a respeito do primeiro aglomerado humano, que deu início ao
povoado de Boca da Mata. Como bem apontei,
acreditou-se a muito
que a povoação que possibilitou a criação da atual cidade de Nossa Senhora da
Glória teria surgido por volta de 1600 a 1625, século XVII, como afirma o
historiador sergipano Carvalho de Lima Júnior em História dos Limites entre
Sergipe e Bahia. Esse autor defende a tese de que as terras pertencentes ao
referido município pertencia a Tomé da Rocha Malheiros, que obtivera uma
sesmaria de 10 léguas da Serra da Tabanga, estendendo-se para o sertão. Essa
tese, tida como irrefutável, passou a ser contestada. Segundo o professor José
Carlos de Souza, em tal afirmação ocorreu um equívoco e ao analisarmos a
história de Gararu (Curral de Pedras), a qual Boca da Mata pertencia,
percebemos alguns problemas ao afirmarmos que a região foi ocupada no século
XVII. O povoamento de Curral de Pedras teria sido resultado da fuga de colonos
portugueses que se refugiaram na Serra da Tabanga, apavorados pela ação dos
holandeses em território sergipano a partir de 1637.[3]
Nesse
sentido, seguindo a mesma linha de José Carlos de Souza, defendo que seria
impossível a "Boca da Mata" ser colonizada no século XVII, antes de “Curral de
Pedras” (atual cidade de Gararu), devido ao fato de ser uma região de difícil
acesso. Boca na Mata teria surgido, então, a partir do fim do século XVIII e início do
XIX. Os ranchos de tropeiros provocaram a gradativa derrubada da mata para o
desenvolvimento de culturas agrícolas e para servir de pastagens para o gado.
Continuando, explico
o sertão sergipano
foi ocupado basicamente pelo elemento europeu, quase não havendo a presença de
indígenas, mas sim de alguns caboclos, fruto da miscigenação. Estes caboclos se
tornaram vaqueiros, sendo os primeiros a provocarem o processo de expansão das
terras para o sertão, compondo figuras principais das fazendas de criar.[4]
No
que diz respeito a imagem da santa Nossa Senhora da Glória, que posteriormente
dará nome ao local de povoação, foi adquirida pelo primeiro capelão Francisco
Gonçalves de Lima. A primeira capela foi construída em mutirão no ano 1904,
aproximadamente 25 anos após o início da povoação. Só em 1959 é que a Igreja Matriz
passou a ser paróquia e teve como primeiro pároco José Amaral de Oliveira.
Nesse sentido, a Igreja Católica teve papel importante para o desenvolvimento
da cidade, introduzindo novos costumes e modos de relação entre o homem e seu
meio. A chegada da imagem deu origem a duas festas populares: a Festa de Santos
Reis (06/01/1905) e a Festa da Padroeira (15/08/1906).
Mil novecentos e cinco
Um ano que faz história
Aconteceu a primeira
Das Festas de Reis em Glória,
Com bazares, cabacinhas,
Quermesses e ladainhas,
Que ficaram na memória (grifo do autor).[5]
Segundo a Enciclopédia
dos Municípios Brasileiros (IBGE, 1959), Nossa Senhora da Glória estava
incluída entre as cidades que sofriam “quando as caatingas do sertão nordestino
eram infestadas por grupos de ‘cangaceiros’ (...) e grande número das fazendas
de gado do Município foram abandonadas pelos seus proprietários” [6]. Em 20
de abril 1929, o bando de Lampião e a volante de Zé Rufino passam pela vila [7].
Jorge Henrique Vieira Santos narra em “Glória Cantada em Versos – 80 anos de
Emancipação Política” (2008) essa passagem de Virgulino e seu bando:
Em abril daquele ano,
Bem no meio de uma
feira,
Lampião entrou em Glória.
Essa história é
Verdadeira!
Teve gente,
apavorada,
Fugindo bem apressada
Com medo da
Cabroeira.
Mas Capitão Vir[8]gulino
Não fez jus à sua
fama
De alma torpe,
perversa.
Não matou, não criou
drama,
Pegou dinheiro e
animais,
Foi juntar-se à sua
dama.
Os que viram até
contam
Que ele aqui comprou
fazenda,
Que deu moeda às
crianças,
Até parece que é
lenda!
Sua barba foi fazer
E, antes de
anoitecer,
Partiu sem criar
contenda (grifo do autor).
Diferentemente
do que encontramos no documento Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, que expõe a
imagem dos cangaceiros como bandidos praticantes de “monstruosos crimes,
chegando mesmo a chacinar famílias inteiras” e a saquear as povoações vizinhas [9], Jorge
Henrique Vieira Santos nos mostrou justamente o contrário em seus versos,
afirmando que o capitão dos cangaceiros não chegou a praticar nenhuma
atrocidade em sua passagem pelo local.
A
evolução política de Boca da Mata iniciou-se em 1922, quando passou a ser sede
do segundo Distrito de Paz de Gararu. A emancipação deu-se em 26 de setembro de 1928, pela Lei Estadual no
1014, quando passou a condição de vila (município), foi desmembrada de Gararu e
passou a pertencer a Comarca de Capela. Foi a partir de então que começou sua
fase de apogeu. No dia 1 de janeiro de 1929, a vila teve nomeado como primeiro
intendente João Francisco de Souza, que construiu a prefeitura. Ele foi nomeado
para o período de 1930 a 34, mas teve o mandato interrompido pelo movimento
revolucionário de 1930. Em 1957 foi criada a comarca de Nossa Senhora
da Glória.
[1] FREIRE,
Felisbelo. História de Sergipe. 2 ed. Petrópolis/RJ: Editora Vozes,
Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1977.
[2] SANTOS, Airles Almeida dos. “Do gibão à Batina”: a ocupação de Nossa
Senhora da Glória e o papel da Igreja para o desenvolvimento de “Boca da Mata”
(fins do século XVIII ao início do século XX) – versão completa. Disponível
em: http://www.webartigos.com/artigos/do-gibao-a-batina-a-ocupacao-de-nossa-senhora-da-gloria-e-o-papel-da-igreja-para-o-desenvolvimento-de-boca-da-mata/130759/.
Acesso em: 19 de agosto de 2018.
[3] Idem.
[4] SANTOS, 2014, p.2.
[5] SANTOS, Jorge
Henrique Vieira. Glória Cantada em Versos – 80 Anos de Emancipação Política.
Aracaju, J.Andrade, 2008, p. 10.
[6] Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros. XXIV Volume. IBGE, 1959, p. 383.
[7] GOMES, C.C.S.;
SANTANA, B. de B.; SANTOS, M.J.O. Breve História de Nossa Senhora da Glória.
In: Memórias e Lembranças de Um Povo: Marcas do Cangaço em Nossa Senhora da
Glória (monografia – graduação em história). Universidade Tiradentes. Itabaiana,
2008.
[8] SANTOS, 2008, p.13.
[9] Idem, p. 383.